terça-feira, 3 de maio de 2011
A Técnica das pontas no Ballet de Repertório '
Dançar nas pontas dos pés é muito mais do que o alcance da técnica, muito mais do que virtuosismo propriamente dito. Em muitos ballets de repertório, a ponta é um elemento crucial da dramaticidade, essencial para contar uma história.
Já disse antes que os ballets românticos são repletos de personagens sobrenaturais que aparecem para flutuar numa leveza etérea e delicada. Os papéis mais importantes da bailarina nesses ballet incluem as fadas (Fada Açucarada em O Quebra-Nozes, a Fada Lilás em A Bela Adormecida, Titânia em Sonhos de Uma Noite de Verão), alguns fantasmas (as Willis de Giselle, as Sombras de La Bayadére), pássaros encantados (O Lago dos Cisnes e Les Sylphides) e ninfas (Apollo).
Em todos esses papéis, a técnica de pontas conversa com a leveza sobrenatural tornando a personagem mais convincente. Fadas e sílfides utilizam as pontas para percorrer e sobrevoar o palco (notem a quantidade de bourrés existentes nas coreografias). A temperamental Odile hipnotiza o Príncipe Siegfried ao girar os 32 fouettés nas pontas. A doce Princesa Aurora permanece durante bastante tempo em balances nas pontas no Adágio da Rosa. Na dança clássica, assim como em qualquer arte, os instrumentos são reinventados e reutilizados de formas diversas.
Se a sapatilha de ponta foi primeiramente utilizada com o propósito da leveza dos ballets românticos, mais tarde elas se tornam objetos de poder em repertórios mais ousados. Mulheres de personalidade marcante e nada etéreas, como Carmen, Kitri (Don Quixote) e Esmeralda utilizam giros, balances e developpés como formas de ameaça e imposição de suas vontades. A seqüência de piruetas em quinta posição no desafio de Kitri ou a famosa variação de Esmeralda em que a mesma toca o pandeiro com os pés numa seqüência de lindos frappés altos em relevés não teriam o mesmo apelo se a bailarina não estivesse nas pontas.
Com a criação do ballet moderno, bailarinos de renome como Isadora Duncan e Martha Graham negaram o uso das pontas. Segundo elas, a performance etérea não é equivalente à natureza humana. Por isso, muitas vezes dançavam descalças, o que escandalizou o público da época.
Porém, nas palavras do próprio George Balanchine, se as pontas não existissem, possivelmente ele mesmo não se tornaria um coreógrafo. E mesmo revolucionando a linguagem a dança clássica e sendo o criador do neo-clássico, Balanchine não abriu mão do uso das pontas em vários de seus ballets.
Erroneamente, alguns citam o uso ou não das sapatilhas de ponta como a principal diferença entre o ballet clássico e o contemporâneo, diversas montagens contemporâneas utilizam as pontas. É o que se pode observar no pas de trois Redline/Redmilk do coreógrafo Christopher Campbell, em que uma bailarina utiliza pontas e a outra não, além das demais caraterísticas do contempâneo, como o uso do chão como elemento cênico e da ausência de música até a metade da performance.
Portanto, é bom saber que a linguagem e os propósitos mudam com o passar do tempo. Mas aquilo que nos torna bailarinas e diferente dos demais artistas é exatamente nosso instrumento mais apaixonante: as pontas.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário